top of page

Pelvic Care Blog

Relato de um pós parto - Por um cuidado mais apoiado às Mulheres


Começo como uma nova rubrica, muito graças a todas as Mulheres e Homens que tenho tido o privilégio de cuidar ao longe destes anos.

Recentemente escrevi-vos a pedir pelos vossos relatos, e não poderia estar mais feliz com a quantidade de emails recebidos. Muito obrigada por todas as palavras de carinho e por me deixarem fazer parte neste vosso caminho de recuperação.

Começamos então com o relato da Joana, do blog Just Natural Please, que caso não o conheçam e tenham interesse num estilo de vida vegan para si e para o seu bebé, aconselho a darem uma vista de olhos.

A Joana passou por um parto e um pós parto bastante traumático. Gostava de dizer que é um caso único, mas infelizmente não o é. Os cuidados à mãe no pós parto são bastante escassos, e espaçados. Muitas alterações como as cicatrizes aderentes, dor e incontinência, poderiam ser tratados mais cedo, evitando assim um mau estar fisico e psicológico, numa fase tão sensível da vida da Mulher.

A ajuda existe, procurem um fisioterapeuta especializado em reabilitação pélvica.

"Não, não é normal...

Uma mulher, enquanto viver, nunca se esquecerá de como se sentiu no momento do parto. Há o parto com que sonhamos e há o parto que recebemos.

Eu sabia exatamente o parto que queria para nós. Tinha idealizado um parto natural, tranquilo, com o mínimo de intervenções possível. Tinha tudo organizado na minha cabeça (e no papel, no plano que tive medo de entregar), mas naquele dia bloquei. Entreguei-me à violência obstétrica que hoje em dia se pratica nos hospitais onde se nasce, que ao estar tão bem disfarçada de simpatia e sorrisos (tive sorte, a equipa era muito simpática) me deixou completamente baralhada e com esta culpa enorme nos ombros. Recebi um parto altamente intervencionado, apressado, pressionado, mal orientado, confuso, ameaçado, que terminou com um bebé retirado a ventosa, uma epitiosomia realizada sem qualquer informação ou consentimento, cosida a sangue frio e um “parabéns, esteve muito bem” para finalizar.

Depois do parto que nos calhou ficaram as “cicatrizes”.

A “cicatriz emocional”, o enorme sentimento de culpa, de fraqueza, a dificuldade de conectar-me com o meu bebé nos primeiros dias da sua vida. Foi preciso fazer o luto do parto, reconhecer que não tive culpa e aceitar que foi assim que o meu bebé escolheu vir ao mundo.

E a “cicatriz física”, a incontinência urinária e fecal de esforço que me acompanhou nos 15 meses seguintes e que durante longos meses afetou significativamente a minha qualidade de vida. Uma consequência dum parto mal orientado, d e um fazer força de forma errada na hora errada, da aplicação de ventosa...

Ainda na maternidade, queixei-me a uma enfermeira da minha incapacidade de controlar a minha bexiga. “ Tem de ir à casa de banho mais vezes.” – disse ela. E foi tudo. Não me explicou se era normal ou não, se e quando iria passar, o que deveria fazer...Nada. Em casa o problema manteve-se e a ausência de respostas também. Com o tempo recuperei algum controlo mas em certas ocasiões perdia-o totalmente: tossir, espirrar, pular, correr, pegar no bebé...

Em conversa com uma familiar que também tinha sido mãe fiquei com a ideia que seria normal. Não era a única com este problema, outras mulheres da minha família também tinham algumas perdas em certas situações, outras amigas também o tinham, e os ginecologistas diziam que era normal e que passaria com o tempo.

Mas não passou. E todos os dias o meu corpo me relembrava que o parto que recebi esteve muito longe daquele para o qual o meu corpo foi desenhado. Todos os dias o meu corpo gritava que receber o maravilhoso presente da maternidade tinha um custo alto a pagar. Estava quase convencida que fazia parte da natureza de ser mulher: sofrer e abdicar daquilo que gostamos para poder ter um filho nos braços.

Aos cinco meses de pós-parto finalmente tomei a decisão de me queixar ao meu médico de famíla. Nunca fui de me queixar e habituei-me a procurar ajuda médica apenas em última instância. O meu médico de família, hesitante em me reencaminhar para uma consulta de especialidade, aconselhou-me a aguardar mais um mês e a fazer exercícios de Kegel. “Vamos esperar pelos seis meses.” – disse ele.

Seis meses pós-parto, muitos exercícios de Kegel e a minha situação continuava na mesma: perdas de urina e fezes ao esforço e impossibilidade de suster gases.

Voltei ao médico e ele finalmente reconheceu a necessidade de me reencaminhar para uma consulta de uroginecologia e prescreveu-me fisioterapia de reabilitação pélvica. Numa pesquisa na internet descobri que a fisioterapia de reabilitação pélvica poderia recorrer ao uso de electroestimulação e ao de cones vaginais. As mágoas do parto ainda se faziam sentir e com elas a reticência em ter alguém a tocar o meu corpo novamente. Estive em negação uns três meses. Íamos em 9 meses pós-parto e o meu problema mantinha-se e afetava significativamente a minha vida a vários níveis: emocional, social, profissional, familiar...

Ao fim de 9 meses pós-parto finalmente descobrir a pessoa certa para me ajudar e iniciei a reabilitação pélvica. Assim comecei a minha caminhada para uma vida normal outra vez.

Primeiro, a avaliação que confirmou a existência de um problema, de uma situação que não era normal e que deveria ter iniciado tratamento meses atrás. Afinal ter perdas de urina meses depois do parto, apesar de frequente e comum, não é normal e pode ser tratado. Depois, os tratamentos de reabilitação pélvica e a minha própria reeducação pélvica, um processo feito com a pessoa certa, de forma respeitadora, totalmente indolor e com melhorias graduais e contínuas. A cada semana uma pequena vitória, uma pequena conquista, cada vez mais próximo do objetivo final: voltar a sentir-me eu novamente, voltar a sentir-me mulher, voltar a poder correr sem perdas, voltar a sentir-me livre.

Ao fim de 15 meses pós-parto recebi o presente pelo qual ansiava: sai para correr e voltei seca, sem perdas! Foi como se tivesse renascido.

A reabilitação pélvica ajudou-me não só a recuperar a minha liberdade física mas ajudou-me também a completar o luto do meu parto e a desfrutar desta dádiva maravilhosa que é ser mãe.

Eu tive a sorte de encontrar a pessoa certa para me ajudar. Tive a sorte de perceber que realmente tinha um problema com o qual não queria continuar a viver. Tive a sorte de conseguir falar sobre o assunto. Para tantas outras mulheres, o problema existe mas não sai da gaveta ou, se sai, as únicas palavras que recebe são um “é normal”.

Mas não, não é normal...

Obrigada Soraia."

Por vezes é isto, temos de quebrar os tabus que o parto e o pós parto é maravilhoso e que corre tudo bem. Por vezes a Mulher tem de se curar no pós parto, fazer o luto do parto desejado e nem sempre essa ajuda está ali mesmo à mão. Numa sociedade ideal, a Mulher no seu pós parto seria sempre acompanhada imediatamente por uma equipa multidisciplinar especializada, pronta a responder aos desconfortos e à dor, às dificuldades de amamentar e às alterações humorais. Não apenas meses depois.

Vamos mudar um pouco estes paradigmas de cuidados de saúde na Mulher?

Obrigada Joana pelo teu sentido testemunho.

Ft. Soraia Coelho

Destaques
Arquivo
Categorias

Faça parte da nossa lista de emails

Nunca perca uma atualização

bottom of page